Quando penso nos impactos gerados pela tecnologia, concluo que avaliações entusiasmadas nos levam a conclusões que apenas reforçam algumas contradições da sociedade moderna.
Explico: no caso da tecnologia, a conclusão hegemônica é de que ela, obrigatoriamente, nos traz os benefícios da agilidade da comunicação, do conforto e das facilidades que nos ajudam a vencer desafios típicos do mundo civilizado. E em nome dessa evolução sem precedentes, aceitamos tudo. Até a invasão de privacidade e a extinção de nossos direitos de cidadão e consumidor.
Ao ler Mário Quintana, um dos nossos mais importantes poetas contemporâneos, vi reforçada a minha visão a respeito dos contrassensos e efeitos colaterais que caminham à margem desta importante e fantástica evolução tecnológica. Entre os pensamentos simples e profundos, Quintana nos oferece esta síntese de um dos direitos básicos do ser humano, principalmente dos que já passaram dos 40: “Gosto de perder eu mesmo meu tempo e não que outros o percam”.
A frase me remeteu diretamente ao desrespeito de última geração oferecido pelos serviços de atendimento ao cliente, executado com maestria pelos fiéis seguidores do script de telemarketing e call center. Sem falar da precisão do computador. É simplesmente invejável.
Não escapamos da programação de telefonemas nos momentos mais inusitados e, graças a tal “eficiência”, temos nosso tempo, nossa intimidade e nossa paciência sequestrados diariamente.
Sei que não sou nenhum privilegiado, pois 99,9% de vocês já devem ter vivido momentos enlouquecedores impostos pelo atendimento de ponta, dispensado a nós, mortais. E como bem lembra o articulista Stephen Kanitz, o futuro será pior. Os exércitos de telemarketing terceirizado serão substituídos por outros.
Aí, além de atendentes que mal sabem o nome da empresa que representam, alcançaremos a era do atendimento com sotaque português. Mas precisamos avaliar essa nova geração de relacionamento não apenas do ponto de vista da vítima (consumidor) como também de possível algoz (dirigente de empresa). Como cidadãos, nos tornamos reféns do uso da tecnologia invasiva, mas e como empresários e executivos?
Vamos relembrar. Qual o principal objetivo do desenvolvimento do CRM? Ele nasceu a partir da necessidade de falar com milhões de pessoas e, ao mesmo tempo, manter o relacionamento de intimidade e confiança com o cliente.
O CRM não surgiu para proporcionar o atual diálogo confuso, distante e frio entre o cliente e a máquina. Ou seja, não surgiu para afastar e sim para aproximar. Acredito que essa reflexão deva fazer parte da estratégia de todas as empresas. E não apenas daquelas que têm mais de três mil funcionários, porém não têm como contratar uma única telefonista, como afirma Kanitz, ao se indignar com as consequências da terceirização sem critérios
Enfim, do mesmo modo como devemos usar ou gastar nosso tempo da maneira que bem entendemos, também precisamos avaliar o tempo e as mais íntimas necessidades de quem está do outro lado do balcão, ou da linha. Assim como o padeiro do bairro, voltemos a nos relacionar de forma humana com os clientes. Voltemos a conversar. Um ato que exige pouco.
Apenas respeito e boa vontade.
Até a próxima Carta do Mês!
Denis Mello
Diretor-presidente