FBDE Consultoria Empresarial

A imitação do saber!

Caro leitor,

Gosto de livros. Sou o famoso “rato de biblioteca”. Quem quiser me encontrar nos fins de semana é só dar uma volta nas livrarias da cidade de São Paulo. Passo horas lendo resenhas e orelhas de livros, hesitante entre levar um título ou outro e, quase sempre, acabo levando os dois.

Aproveito também para observar as pessoas ao meu lado, personagens reais dessa obra-prima chamada vida. Observo essas pessoas por meio de gestosexpressões e vozes.

Geralmente, olho para uma pessoa e arrisco um palpite sobre qual tipo de livro ela está procurando. Na maioria das vezes, acabo acertando. Observar a natureza humana faz parte do meu trabalho.

Porque consultoria nada mais é que analisar a cadeia das relações humanas dentro de uma estrutura de negócio ou de um segmento de mercado.

E, dentro deste meu hábito de observar, tenho percebido que as pessoas têm comprado um novo gênero de literatura: o livro para não ser lido, ou melhor, definindo, o livro cenográfico.

Eu sei que é um paradoxo. E sei também que é um fenômeno de uma sociedade cada vez mais competitiva onde o aparentar é tão importante quanto o ter competência. Talvez seja um tema que Abraham Maslow poderia responder na “Hierarquia das Necessidades”.

Para alguns, o livro está se tornando muito mais um objeto de decoração de mesinha de centro do que propriamente um instrumento para se adquirir conhecimento. Já perdi a conta de reuniões sociais em casas de amigos ou conhecidos em que me deparo com um livro que já li, decorando uma mesa na sala de estar, e começo a puxar assunto sobre a obra.

Por mais de uma vez, o dono do livro não fazia a mínima ideia do que eu estava falando. Nunca tinha aberto nem tampouco folheado o índice da obra. Mas deixou ali porque alguém comentou que ter um Thomas Hobbes, por exemplo, daria um ar de erudição

Recentemente, fiquei entusiasmado com uma biblioteca na casa de uma conhecida e comentei sobre alguns livros ali expostos. Concluí que ela havia lido não mais do que meia dúzia deles, e quase todos com conteúdo semelhante às “gotas de sabedoria inspiradoras”. Estamos falando aqui do mais novo produto de consumo da vida moderna: “a imitação da erudição”.

Parecer culto e universal está na moda. Entrar nessa onda não requer prática nem habilidade. Muito menos conhecimento. Basta encher sua casa ou sua sala no escritório de livros de autores que tenham densidade e que sejam reconhecidamente consagrados. Dê preferência às edições de luxo, de capa dura com belas fotos. Ficam ótimas na estante ou na mesa da sala. É mais chique do que ter um quadro.

E, assim, temos uma geração de pessoas que ostentam “conhecimento” com estantes lotadas de Voltaire, Saramago, Salinger, Nieztsche, Platão e outros autores que mereciam leitores que fossem além do texto da orelha. Quero deixar claro que não me considero nem de longe um erudito. Sou, no máximo, um curioso esforçado.

Minha lista de livros importantes não lidos é infinitamente maior do que os que li. Minha dívida com os grandes autores nunca será paga. Sempre deverei a leitura de uma obra, ou melhor, de centenas delas. Mas se essa moda é novidade entre os círculos sociais, no ambiente corporativo, já é uma prática com maior quilometragem.

Profissionais que escondem as carências atrás de diplomas simetricamente colocados na parede. Alguns destes certificados, muitas vezes, de cursos que mal frequentou. Na verdade, transformam o escritório em sala cenográfica. Em palestras e seminários, observo um fenômeno interessante: um ou outro profissional que está unicamente à caça de diplomas. Colecionadores de certificados, como nossos filhos que colecionam figurinhas.

Foi a partir daí que comecei a identificar esse perfil de profissional extremamente preocupado em aparentar competência. Um indivíduo que é afeito a fazer citações, a usar termos em língua estrangeira ou a falar sobre um novo vinho Malbec. Ele é craque em tentar impressionar profissionais de RH nas entrevistas de emprego. E, com a desenvoltura, consegue ser o centro das atenções em reuniões com pessoas menos experientes ou de boa-fé. Mas, no fundo, tem profundidade de um pires.

Muitos deles conseguem fazer carreira nas empresas. E, eventualmente, alcançam altos postos. Nesta caminhada, encontram outros como ele, que também aparentam e ostentam conteúdo. E, assim, juntos, começam a estrelar uma temporada do que eu costumo chamar de “teatro da eficiência”.

O palco pode ser qualquer lugar: a sala de reunião, o corredor da empresa, a copa do café, o estacionamento, a recepção. Qualquer lugar que tenha uma plateia. E, então, começamos um efeito em cadeia. Se esse profissional não tem profundidade, ele faz análises equivocadas e toma decisões inconsequentes na área em que atua. Ou seja, a inaptidão migra para o produto, para os comandados e para a empresa. E aí, na primeira dificuldade, na primeira curva negativa de vendas, agarra-se a qualquer livro de autoajuda, desses que vendem aos borbotões, com histórias previsíveis, frases clichês e pirotecnia emocional.

As únicas vendas que ele consegue aumentar são as do livro. Sugiro uma reflexão: que todos nós nos dediquemos persistentemente à busca de um conhecimento verdadeiramente real, entendendo que não existem atalhos nessa busca. Leva tempo, é preciso esforço e a disciplina é fundamental.

 

Até a próxima Carta do Mês!

Denis Mello

Diretor Presidente
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